LGBT: saiba quais são seus direitos trabalhistas

 

Como lutar contra a homofobia no mercado de trabalho

Por João Paulo Tavares Soares

Imagine um mundo no qual a orientação sexual não fosse um fator eliminatório na hora da contratação ou de uma promoção.

Imagine um mundo no qual funcionários não sofressem qualquer tipo de discriminação em razão da sua orientação sexual ou identidade de gênero no ambiente de trabalho.

Imagine um mundo em que LGBTs não escondessem sua sexualidade de gestores e colegas por medo de perderem o emprego.

Imagine um mundo no qual a sua orientação sexual não seja uma condição agravadora da desigualdade salarial.

Esse mundo existe dentro da nossa Constituição Federal. Ela declara que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza […] (art. 5º caput)”.

“A discriminação é proibida expressamente, como consta no art. 3º, IV da Constituição, onde se dispõe que, entre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, está: promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Proíbe-se, também, a diferença de salário, de exercício de fundações e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor, estado civil ou posse de deficiência (art. 7º, XXX e XXXI).” (Curso de Direito Constitucional Positivo, 2003, p. 222).

Isso tudo está na lei, mas a realidade que se conhece é outra, bem diferente.

O fato é que a discriminação de gênero, raça e orientação sexual é histórica e permanente.

As condições acima influenciam, sim, as possibilidades de acesso e permanência nas relações de trabalho no Brasil.

A consequência é que mulheres, negros(as) e LGBTTIs (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis e intersexuais) detêm os piores indicadores do mercado de trabalho, vivendo, muitas vezes, na economia informal ou em empregos precários.

Vamos entender, a seguir, por que isso acontece e como pode ser combatido.

Discriminação no mercado de trabalho

Embora esteja difícil arrumar trabalho para todos os brasileiros, com a taxa de desemprego mantendo o recorde de 14,7%, segundo o IBGE, a situação é ainda muito mais complicada para o público LGBT.

A ONG Aliança Nacional LGBTI estima que o desemprego possa chegar a 40% na comunidade LGBTI e a 70% na população trans.

A razão desses números alarmantes deve-se, sobretudo, à discriminação.

Segundo levantamento realizado pela empresa de recrutamento Elancers, 20% das empresas brasileiras admitiram não contratar gays, lésbicas, travestis e transexuais em razão da sua orientação sexual e identidade de gênero.

Já 33% das empresas brasileiras não contratariam pessoas LGBT para cargos de chefia, de acordo com outra pesquisa, realizada pela consultoria Center for Talent Innovation.

Esse mesmo estudo indica, ainda, que:

  • 90% de travestis, mesmo as que possuem boas qualificações, acabam por se prostituir, por não terem conseguido nenhum outro emprego
  • 61% de funcionários gays e lésbicas decidem por esconderem sua sexualidade de gestores e colegas em razão do medo de perderem o emprego
  • 41% dos funcionários LGBT afirmam terem sofrido algum tipo de discriminação em razão da sua orientação sexual ou identidade de gênero no ambiente de trabalho

Quando se trata da população transexual, as dificuldades se aprofundam ainda mais. Segundo levantamento realizado pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), 82% dos transexuais não concluem seus estudos. O preconceito, somado à alta taxa de evasão escolar, agrava ainda mais o cenário.

Discriminação de gênero e orientação sexual no trabalho chega aos tribunais

Apesar dos dados alarmantes apresentados no tópico anterior, há avanços.

Em 2019, por exemplo, o Brasil deu um passo importante para a comunidade LGBT depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que atos de homofobia sejam considerados crime no Brasil e tenham o mesmo tratamento penal que o racismo, com penas de até cinco anos de prisão, até que o Congresso legisle sobre o assunto.

Mudanças na legislação, aliadas à ampliação do debate sobre os direitos das LGBTQI+, têm levado violações à liberdade de gênero e de orientação sexual dos trabalhadores aos tribunais.

“A orientação sexual do trabalhador diz respeito à vida íntima de cada um, não devendo sofrer qualquer tipo de ingerência e nem mesmo indagação por parte do empregador, salvo necessidades específicas e excepcionais de um ou outro cargo.”

Foi dessa forma que argumentou a juíza Aline Paula Bonna, do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de Minas Gerais, ao condenar uma empresa, em 2014, por discriminar duas empregadas que mantinham um relacionamento homossexual.

Segundo consta no processo, o gerente ameaçou dispensar uma ou ambas as empregadas, por formarem um casal de lésbicas, haja vista que a homossexualidade delas estava gerando muitos comentários no ambiente de trabalho. Além disso, um dos motoristas da empresa teria dito, de forma preconceituosa, a uma das empregadas que “alguns minutinhos com ele as faria deixar de gostar de mulher”.

A situação relatada pelas trabalhadoras foi comprovada por prova testemunhal, que revelou o caráter depreciativo de vários comentários feitos pelos empregados da empresa.

Embora as funcionárias tenham levado ao conhecimento da empresa as situações pelas quais vinham passando, a empregadora não tomou nenhuma atitude para protegê-las ou para cessar essa situação.

Aqui, vale destacar que a empresa pode e será responsabilizada quando, ao saber de um ato de discriminação ou assédio, não tomar providências.

Dessa forma, a magistrada reconheceu o dano psicoemocional presumido e determinou uma indenização de R$ 7 mil para cada uma das mulheres.

Mais recentemente, em abril de 2021, a 2ª Turma do TRT de Pernambuco condenou o Banco Bradesco S.A ao pagamento de danos morais a um de seus gerentes que foi alvo de homofobia no trabalho.

De acordo com a relatora da decisão, desembargadora Eneida Melo, as provas colhidas no processo demonstraram que o trabalhador foi vítima de assédio moral por parte de colegas e de dois de seus superiores e que a própria demissão se deu por caráter discriminatório.

A magistrada salientou, ainda, que os reiterados episódios de humilhação no ambiente laboral, por certo, contribuíram com o surgimento ou agravamento do transtorno de ansiedade e depressão sofridos pelo empregado.

Também neste ano, a 2ª turma do TST condenou uma rede de supermercados de Porto Alegre/RS a pagar R$ 40 mil a um encarregado vítima de conduta homofóbica de colegas e superiores hierárquicos.

Na ação trabalhista, o empregado afirmou que era perseguido pelo gerente por ser homossexual.

Em um dos episódios narrados, ao ser orientado para descarregar um caminhão (o que não era sua função, segundo ele), o gerente teria dito, na frente de outros funcionários, que ele agora iria “aprender a ser homem”, apenas para constrangê-lo. A situação fez os colegas darem risadas enquanto ele realizava a tarefa.

 

Homofobia no trabalho: como agir?

Os exemplos apresentados acima são só três desfechos de muitos casos de homofobia no ambiente de trabalho levados aos tribunais nos últimos anos.

Trabalhadores que sofrem discriminação de gênero e de orientação sexual nos espaços corporativos podem ingressar na Justiça do Trabalho com reclamação trabalhista com pedidos de danos morais e danos materiais, entre outros.

Dano Moral: corresponde ao abalo psíquico, intelectual ou moral que uma pessoa sofre, seja ele por ataque à honra, intimidade, imagem, nome e a privacidade. É subjetivo, pois não atingem necessariamente o patrimônio.

Dano Material: Corresponde a lesão que acarreta a diminuição patrimonial do ofendido. Como, por exemplo, se a ofensa sofrida impedir ou dificultar a atividade profissional da vítima.

As agressões contra trabalhadores LGBTI+ nem sempre são explícitas. Muitas vezes, são olhares, piadas, comentários maldosos, indiretas.

No caso da transfobia, ela também pode se manifestar a partir do desrespeito ao nome social e com a proibição de utilização de banheiros ou uniforme correspondente ao gênero com o qual se identifica.

O fato é que, sejam esses ataques explícitos ou disfarçados, geram efeitos negativos importantes a quem se sente agredido. Essas consequências variam bastante e englobam desde caráter moral e psicológico até integridade física, perda de autoestima e produtividade.

Ao sofrer algum tipo de discriminação no trabalho, você pode, primeiramente, tentar resolver a questão com diálogo.

Se for possível, converse com a pessoa que vem causando a violência e esclareça que você não está confortável com isso.

Caso não haja essa possibilidade ou se o problema continuar, recorra ao seu superior, ao RH ou à ouvidoria da empresa. Essa comunicação é importante, porque, uma vez que a organização esteja ciente do ocorrido, passa a ser corresponsável e, obrigatoriamente, deve tomar uma atitude.

Porém, quando essas opções não são viáveis e o assunto não é resolvido no âmbito empresarial, o caso pode ser levado à Justiça.

As punições previstas no Direito do Trabalho podem incluir as já mencionadas indenizações por danos materiais e morais, pedidos de reintegração no emprego em caso de demissões discriminatórias, pedidos de equiparação salarial em casos de discriminação salarial, entre outras.

Há, ainda, a possibilidade de uma investigação, por parte do Ministério Público do Trabalho, para apurar eventuais crimes contra a empresa.

Dependendo do caso, o trabalhador ainda pode solicitar que seja instaurado, também, um inquérito criminal comum, na delegacia.

Provas e evidências de homofobia

Os processos que envolvem qualquer tipo de assédio ou atos isolados de discriminação no ambiente de trabalho encontram, na maioria das vezes, uma importante barreira: a dificuldade de produção de provas do assédio, da discriminação, etc.

É preciso apresentar provas, que podem ser documentais, como e-mails ou bilhetes; ou testemunhais, como o depoimento de algum colega de trabalho.

A forma mais eficaz é a prova testemunhal, mas é comum que funcionários não queiram depor contra a própria empresa.

Por isso, muitos trabalhadores LGBTI+ acabam não entrando na Justiça ou perdendo seus processos por não serem capazes de reunir essas evidências.

É fundamental ter meios de provar o ocorrido, para que a própria vítima não saia ainda mais prejudicada.

É muito importante, então, estar preparado para reunir provas nesse tipo de situação.

Obviamente, antes de acontecer, ninguém vai trabalhar achando que vai ser vítima de discriminação ou assédio. Porém, se as ocorrências forem recorrentes, vale estar sempre acompanhado(a) de colegas de trabalho nos momentos que costuma sofrer as agressões.

Outra opção é recorrer a gravadores e câmeras do smartphone. Já há firme jurisprudência que considera lícita a gravação de uma conversa quando um dos interlocutores é quem faz a gravação.

E, se os ataques vierem por escrito, procurar salvar e arquivar todos os e-mails e mensagens.

A importância da diversidade nas empresas

Embora a homofobia e a transfobia sejam estruturais em nosso país e a desigualdade no mercado seja berrante, a bandeira da inclusão e diversidade começa a ser levantada por empresas no mundo todo.

Isso não ocorre apenas pelo movimento de lutas por espaço e direitos promovido por organizações LGBTI+, mas porque a diversidade rende ganhos para as empresas.

Um estudo realizado pela consultoria McKinsey and Co. com mais de mil empresas de 12 países diferentes mostra que as empresas com times de executivos com maior variedade de perfis são mais lucrativas.

As companhias com maior diversidade de gênero da amostra têm 21% mais chances de apresentar resultados acima da média do mercado do que as empresas com menor diversidade do grupo. No caso da diversidade cultural e étnica, a variedade é ainda mais premiada e esse número sobe para 33%.

Um outro levantamento conduzido por pesquisadores da Marquette University aponta que companhias com pessoas LGBTQ+ em cargos de alto escalão tem uma performance 61% maior em comparação a empresas sem profissionais de diferentes orientações sexuais.

A diversidade é construída nas empresas quando as equipes são compostas por pessoas de diferentes gêneros, etnias, crenças, formações, orientações sexuais, idades, vivências, visões, etc.

O fato é que o compromisso com a diversidade garante à empresa o fortalecimento de seus valores organizacionais e sociais. Além disso, um ambiente inclusivo é mais saudável e propício à inovação.

Desde a expansão das perspectivas dos membros da equipe até o aumento da criatividade organizacional, a redução de conflitos e a diminuição da rotatividade de funcionários, a diversidade traz muitos benefícios que dão à organização uma vantagem competitiva.

Então, se a diversidade nas empresas traz resultados financeiros e também ajuda na solução de desafios que não seriam possíveis se todos tivessem as mesmas características e vivências semelhantes, por que não investir nela?

É de fundamental importância para a empresa e, sobretudo, para a sociedade que gestores contribuam, a partir de suas políticas internas, com o respeito ao próximo e uma visão mais igualitária do mundo no qual estamos inseridos.

É muito importante sair do discurso e ir para a prática.

A empresa precisa instituir regras e políticas e aplicá-las, adotando um compliance ativo, com canais de denúncias, por exemplo.

Também é essencial que as pessoas que se sentirem discriminadas e assediadas em seus ambientes de trabalho não se calem. Procurem um advogado de confiança e busquem os seus direitos. Como mostra este texto, eles existem.

 

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Se ainda tiver dúvidas sobre o assunto ou se decidir ir atrás de seus direitos, entre em contato conosco, que a equipe da Tavares Vasconcellos Advocacia terá o maior prazer em te ajudar.

 

JOÃO PAULO TAVARES é advogado, sócio titular de TAVARES VASCONCELLOS ADVOCACIA e presidente da Comissão de Direito do Trabalho da OAB São Caetano do Sul/SP