Discriminação Racial no Trabalho é uma realidade no Brasil

O racismo e a discriminação racial no trabalho ainda estão presentes na nossa sociedade, apesar de algum progresso alcançado nas últimas décadas. Portanto, em um país multiétnico como Brasil, essa é uma triste realidade para milhões de trabalhadores e trabalhadoras.

A discriminação racial ocorre quando um funcionário se sente em desvantagem devido à sua nacionalidade, cor ou origem étnica. 

E a questão do preconceito e do racismo em nosso país é antiga, já que persiste desde os tempos da escravidão colonial até os dias atuais. 

Um dos reflexos do racismo estrutural —arraigado na estrutura da vida política, econômica, social e jurídica do Brasil— é justamente a discriminação no mercado de trabalho.

A questão reflete não apenas no tratamento de negros dentro do ambiente de trabalho, mas também no nível de empregabilidade desta população, que é maioria nos postos informais e está concentrada em cargos mais baixos.

No artigo de hoje, vamos olhar para o discriminação racial no trabalho mais de perto e conferir alguns dados estatísticos importantes.

Além disso, vamos falar um pouco sobre as consequências judiciais da discriminação racial no trabalho. E sobre o Dia da Consciência Negra, um momento especial para discutir esse tema de forma mais profunda.

O que diz a legislação sobre discriminação racial no trabalho?

Antes de tudo, é preciso deixar clara uma questão: racismo é crime

A própria Constituição Federal dispõe em seu artigo terceiro:

Art. 3. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Além disso, a Constituição Federal também determina no artigo 5º que todos são iguais perante a lei, sem distinção alguma de cor, gênero ou raça.

O racismo também é tipificado como crime pela Lei 7716/1989, que dispõe uma série de situações que caracterizam o crime de discriminação racial, que incluem:

  • Impedir a pessoa de ter acesso ao emprego, à promoção ou a quaisquer vantagens laborais por motivo da cor da pele, origem étnica ou racial;
  • Outros impedimentos a quaisquer instituições, locais, eventos sociais e assim por diante por razão de cor da pele, origem étnica ou racial;
  • Recusa de contratação de profissionais por motivos de origem racial ou étnica, ou pela cor da pele;
  • Pagamento de salários menores para profissionais por motivos de cor da pele, origem racial ou étnica.

Cabe citar, ainda, a convenção 111 da Organização Internacional do Trabalho, OIT, da qual o Brasil também é signatário. A convenção tem como objetivo eliminar quaisquer formas de discriminação no trabalho, seja por gênero, idade, opção sexual ou raça.

Consequências judiciais da discriminação racial no trabalho 

Como pudemos ver no tópico anterior, temos vários dispositivos legais para combater a discriminação racial no trabalho. Tanto no Direito brasileiro, quanto no âmbito do Direito Internacional.

Então, há sanções e penalidades legais para qualquer ato de discriminação racial no trabalho:

  • Há possibilidade de multas para as empresas e indenização por danos morais para o trabalhador (a);
  • O trabalhador pode ganhar direito à rescisão indireta por racismo no ambiente de trabalho;
  • Pena de um a três anos de reclusão por injúria racial, mais aplicação de multa para o infrator.

Ao levar ao Judiciário qualquer caso de preconceito, a recomendação é reunir testemunhas e provas.

Entre as provas que podem ser levantadas, estão gravações de áudio ou vídeo, e-mail e mensagens de texto, por exemplo.

É importante entender que a discriminação racial pode configurar tanto crime de racismo, quanto injúria racial. Vamos entender isso melhor a seguir.

Racismo e injúria racial no trabalho 

Racismo e injúria racial são crimes diferentes, embora guardem certa similaridade. Ambos são previstas pelo Código Penal brasileiro, no artigo 20 e 140, respectivamente.

O crime de racismo é mais amplo do que o crime de injúria racial. 

No primeiro caso, a discriminação é contra uma coletividade. Por exemplo: o preconceito e a perseguição por motivo racial à população negra como todo, por parte de um indivíduo ou um coletivo.

Já o crime de injúria racial consiste na ofensa e na discriminação racial contra uma pessoa em específico, por motivo de cor da pele ou origem étnica/racial.

Para entender a diferença: quando uma pessoa é alvo de discriminação racial, sofrendo ofensas e xingamentos, isso é injúria. Mas, quando uma empresa se recusa a contratar um coletivo de pessoas por motivo de cor da pele ou origem étnica, isso é racismo.

Vale lembrar que o racismo é um crime impreterível e inafiançável, ao contrário da injúria racial.

Assédio moral 

Quando o trabalhador ou trabalhadora é alvo de discriminação racial de forma recorrente, o fato pode configurar assédio moral.

Assédio moral é qualquer conduta abusiva contra a pessoa, que gere danos contra a sua personalidade, dignidade, integridade física ou psíquica.

Entram nessa categoria ofensas recorrentes, xingamentos, gestos ou palavras. Inclusive aqueles que configurem discriminação racial.

O assédio moral e a discriminação racial afrontam os princípios da dignidade da pessoa humana, da valorização social do trabalho, da não discriminação e da função social da empresa, todos previstos na Constituição Federal. 

Portanto, para qualquer caso de assédio moral comprovado cabe indenização ao trabalhador.

Em uma decisão proferida em agosto de 2020, por exemplo, a 9ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª região condenou uma empresa a indenizar empregada em R$ 25 mil. 

De acordo com o processo, a autora, que trabalhava em loja de shopping, foi vítima de racismo e assédio moral. Em uma das ocasiões, por exemplo, o gerente do estabelecimento teria afirmado que não gostava de negros.

Em outra, ele gravou a mulher, que é haitiana, em situação vexatória, sendo repreendida em plena praça de alimentação.

“Embora não conste expressamente do artigo 223-C da CLT, não há como negar que a discriminação de cunho racial constitui ofensa à honra, à intimidade e à autoestima do empregado”, afirmou em seu voto o desembargador José Pedro de Camargo Rodrigues de Souza, relator do caso. 

Testemunhas também relataram que o tratamento dispensado à funcionária era diferente em comparação aos demais empregados. Grande parte das tarefas de limpeza, por exemplo, ficavam a cargo dela. Não houve alteração nas atividades nem mesmo quando a mulher engravidou. 

Segundo a decisão, não é possível ignorar ofensas “de natureza grave, eis que ostenta destacada repulsa social, sobretudo porque vinculada a preconceitos históricos fortemente rechaçados pela sociedade (…)”. 

Desigualdade no trabalho em razão da cor

Apesar de todas as medidas legais para garantir a igualdade e a justiça no trabalho, o crime de discriminação racial continua a crescer no Brasil.

Conforme pesquisa realizada pelo Data Lawyer, especialista em dados estatísticos jurídicos, o número de processos trabalhistas por discriminação racial cresceu 11% entre 2017 e 2020.

O valor total solicitado em indenizações dos novos processos é de aproximadamente R$ 402 milhões. 

Em 7.179 dos 7.378.835 de processos trabalhistas que a Data Lawyer consultou, a palavra racismo constava das peças iniciais e decisões.

E podemos ver muitas possíveis causas do aumento no número de processos trabalhistas por discriminação racial no trabalho em alguns dados estatísticos a seguir.

Diferença salarial

A Pesquisa Nacional de amostra por domicílio (PNAD), realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2019, revela que a diferença salarial entre brancos e negros no Brasil é de 45%. E os resultados são categóricos: a falta de capacitação profissional e oportunidade para as pessoas negras não são responsáveis por essa diferença.

Além disso, o estudo revela ainda que a diferença salarial entre negros e brancos com ensino superior é de até 31%. E, na mesma forma, a pesquisa identificou que a cor da pele é a única variável que leva a essa distinção.

Menores chances de contratação

Outro estudo realizado pelo IBGE, em 2019, entrevistou 1070 pessoas em 43 cidades do Brasil, para verificar se a percepção dos brasileiros coincide com a realidade social em que vivem. Na ocasião, 55% dos entrevistados afirmaram que os brancos têm maiores oportunidades de estudo.

Outros 65% disseram que os brancos têm maiores oportunidades no mercado de trabalho. 

Conforme análise do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT), o percentual de colaboradores negros nunca é proporcional à sua representatividade na população brasileira e, em geral, está concentrado em cargos mais baixos. 

A percepção dos brasileiros sobre sua realidade está correta, como podemos observar nos dados a seguir.

No Brasil, 56% dos brasileiros se autodeclaram negros ou pardos. Porém, um estudo realizado pela empresa Vagas.com em 2020 identificou que a maioria dos pretos e pardos ocupam posições operacionais (47,6%) e técnicas (11,4%) – percentuais superiores aos relatados por brancos, indígenas e amarelos. 

Já o número de negros nos cargos de diretoria é de apenas 0,7%. 

A discriminação racial no trabalho e o Dia da Consciência Negra

Todos os anos, o Brasil celebra o Dia da Consciência Negra em 20 de novembro. Porém, algumas pessoas não conhecem a origem dessa data.

A  Lei nº 12.519 de 2011 criou o Dia Nacional da Consciência Negra e elegeu 20 de novembro em homenagem ao líder quilombola Zumbi dos Palmares, assassinado nesta data.

Zumbi, que era um escravo fugitivo, foi uma das lideranças negras mais importantes da época da escravidão no Brasil. Líder guerreiro do Quilombo dos Palmares, morreu em 1695, morto por um grupo de Bandeirantes liderados por Domingos Jorge Velho.

O tempo passou e a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea no dia 13 de Maio de 1888. A partir desta data, portanto, a escravidão foi abolida em todo o território nacional. Infelizmente, porém, este não foi o fim do preconceito e da discriminação.

Privados de ocupar bons postos de trabalho, do acesso à educação e à moradia de qualidade, os negros viveram às margens da sociedade por muito tempo. E uma das heranças mais contundentes desse período são as favelas.

Isso porque elas se formaram, principalmente, a partir da aglomeração da população negra que foi proibida de residir em áreas centrais de grandes capitais, como Rio de Janeiro.

Então, comemorar o Dia da Consciência Negra é uma forma de chamar atenção a uma série de questões relacionadas ao racismo, como a discriminação racial no trabalho. 

Conclusão 

A discriminação racial no trabalho ainda é uma realidade em muitas empresas brasileiras. Basta olharmos para o grande número de processos trabalhistas por racismo.

As discrepâncias entre cargos ocupados por negros e brancos e oportunidades para negros e brancos no mercado de trabalho também falam por si.

Portanto, ainda vivemos um fosso estrutural de desigualdade que é expresso nas relações raciais e precisamos ter ações mais ativas para eliminar ou estabelecer uma nova trajetória de equalização.

Uma das missões do Poder Judiciário é justamente contribuir para a superação da dívida histórica com a população negra do país.

Então, o Dia da Consciência Negra é fundamental para jogar luz no fato de que há muito a ser feito para acabar com a discriminação racial no trabalho em nosso país, assim como para erradicar a discriminação e o preconceito como um todo.

 

Espero que você tenha gostado deste conteúdo e que ele tenha sido útil. Comente o que achou nas nossas redes sociais e fique à vontade para compartilhar esta página com quem pode se beneficiar com essas informações!

Se ainda tiver dúvidas sobre o assunto ou se decidir ir atrás de seus direitos, entre em contato conosco, que a equipe da Tavares Vasconcellos Advocacia terá o maior prazer em te ajudar. 

 

SAMIA CAMILA VASCONCELLOS GOMES é advogada e sócia titular de TAVARES VASCONCELLOS ADVOCACIA 

www.tvadvocacia.com.br | samia@tvadvocacia.com.br