Desvio e acúmulo de função: o que diz a lei e quais as consequências

O ambiente de trabalho, muitas vezes, é palco de desafios complexos e dois deles que merecem atenção especial são o desvio e acúmulo de função. 

Estas práticas, apesar de comuns, têm implicações legais significativas que precisam ser compreendidas por empregadores e colaboradores.

Desvio de Função: o que diz a Lei?

O desvio de função ocorre quando um trabalhador é designado para realizar tarefas que não fazem parte de suas atribuições originais. 

Segundo a legislação trabalhista brasileira, essa prática é irregular, pois fere o contrato de trabalho inicialmente estabelecido. 

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é clara ao determinar que as funções a serem desempenhadas devem estar de acordo com a categoria do trabalhador e o que foi estabelecido em contrato.

Acúmulo de Função: uma sobrecarga injusta

Já o acúmulo de função ocorre quando um profissional é sobrecarregado com responsabilidades além daquelas para as quais foi originalmente contratado, sem a devida contrapartida salarial. 

A legislação também aborda essa prática, resguardando o trabalhador contra o desequilíbrio nas atribuições, garantindo que sua remuneração esteja de acordo com a carga de trabalho.

 

Nem tudo é desvio ou acúmulo de funções

O trabalhador no entanto deve se atentar que nem tudo pode ser considerado desvio e acúmulo de funções. Para que exista juridicamente o acúmulo de funções a situação deve ser não eventual e não excepcional e deve haver diferenças significativas entre as funções originais e as funções novas.

Antes de levar o caso adiante, o empregado deve-se atentar a uma regra estabelecida no art. 456 da CLT que estabelece que se não existir cláusula expressa no contrato, entende-se que o trabalhador se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com sua condição pessoal. Isso significa que em contratos genéricos quanto às funções a serem desempenhadas fica muito difícil caracterizar o desvio de função, pois a CLT determina que ele pode prestar serviços de acordo com sua condição pessoal, descaracterizando boa parte das demandas por desvio de função. 

Por isso é importante que se dê atenção ao contrato de trabalho e que o empregado cobre, se possível, que nele esteja atribuída de forma mais específica possível a função a ser desempenhada.

 

Consequências para o trabalhador e para a empresa

As consequências do desvio e acúmulo de função são significativas e afetam tanto o trabalhador quanto a empresa. 

Para o profissional, o desgaste físico e mental, a desmotivação e a falta de reconhecimento são alguns dos impactos negativos. Além disso, a empresa pode enfrentar queda na produtividade, aumento do turnover e riscos legais.

Como destacado no artigo 468 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), é imprescindível que qualquer alteração no contrato de trabalho do empregado seja realizada com o seu pleno conhecimento. 

Em outras palavras, o empregador não tem o direito de efetuar, unilateralmente, modificações prejudiciais ao contrato. 

Adicionalmente, segundo artigo 483, alínea a, da CLT, o empregado tem o direito de solicitar seu desligamento por falta grave do empregador, especialmente quando este exigir de forma manifesta e evidente a execução de serviços alheios ao acordado inicialmente no contrato de trabalho. 

Este dispositivo legal resguarda o trabalhador de situações que possam comprometer seus direitos e a integridade do contrato laboral.

Antes de resultar em um litígio trabalhista, o desvio de função pode acarretar danos significativos à gestão de pessoas, à cultura organizacional e ao clima interno da empresa. Essa prática envia aos colaboradores a mensagem de que a empresa não os valoriza adequadamente, suscitando desconfianças sobre a intenção da organização em remunerar justamente seus trabalhadores.

Essa conduta não apenas prejudica a reputação da empresa, mas também instaura um ambiente organizacional negativo, propenso a desmotivação, baixa produtividade e rotatividade de funcionários. A retenção de talentos torna-se desafiadora quando a empresa não adota práticas adequadas em relação aos seus colaboradores. Assim, a primeira área que requer atenção é, sem dúvida, a gestão de pessoas.

Além das implicações culturais, o desvio de função pode acarretar consequências financeiras para a empresa. 

Como mencionado anteriormente, o colaborador pode buscar uma rescisão indireta por descumprimento contratual, o que resulta no pagamento de indenizações, verbas rescisórias e todos os direitos pertinentes ao funcionário

Em casos judiciais favoráveis ao empregado, a empresa pode ainda ser obrigada a arcar com revisões de valores pagos durante o período em que o colaborador esteve desviado de suas funções, além de reflexos em férias, horas extras e outras verbas trabalhistas.

É crucial lembrar que, para o funcionário, desempenhar uma função distinta daquela para a qual foi originalmente contratado ou exercer uma função superior acarreta prejuízos financeiros significativos. 

Esses impactos refletem em sua renda mensal, FGTS e diversas verbas recebidas, tornando legítimo o seu direito em buscar reparação diante de tais situações. Portanto, cabe à empresa adotar práticas éticas e alinhadas com a legislação trabalhista, garantindo um ambiente saudável e justo para seus colaboradores.

 

A importância da proteção legal para os trabalhadores

Conhecer e exercer os direitos legais é crucial para proteger os trabalhadores contra práticas inadequadas relacionadas ao desvio e acúmulo de função. 

Os órgãos fiscalizadores e a Justiça do Trabalho estão atentos a essas questões, proporcionando respaldo e garantindo a justiça nas relações empregatícias.

Como agir diante do desvio e acúmulo de função?

Em situações de desvio ou acúmulo de função, é recomendável que o trabalhador busque orientação jurídica. Advogados especializados podem auxiliar na análise do contrato de trabalho, na busca por soluções adequadas e na garantia dos direitos do profissional.

Também é crucial que o funcionário compile provas documentais, como e-mails, documentos assinados, registros de conversas, ou qualquer documento que corrobore com o seu argumento.

Por último, e não menos importante, o funcionário deve buscar reunir testemunhas. Se o reclamante conseguir angariar o depoimento de pessoas que possam atestar o desvio de função, isso fortalecerá substancialmente a sua posição no processo. A colaboração de testemunhas adiciona credibilidade e respaldo às alegações do trabalhador, sendo uma estratégia valiosa na comprovação do desvio de função.

Como empresas devem se prevenir?

Na gestão trabalhistas, evitar desvio e acúmulo de função é mais que uma estratégia, é um compromisso com a equidade e respeito aos direitos dos colaboradores. 

Para prevenir e se proteger do acúmulo e desvio de função, as empresas devem tomar as seguintes atitudes:

  • Contratos Claros: Elaborar contratos de trabalho detalhados, especificando as responsabilidades de cada função.
  • Políticas Internas: Implementar políticas internas de gestão de pessoal, fornecendo treinamentos regulares aos gestores para garantir o cumprimento adequado das atribuições.
  • Canais de Comunicação: Manter canais abertos de comunicação para que os funcionários possam relatar irregularidades ou desconfortos relacionados às suas funções.
  • Avaliações Periódicas: Realizar avaliações regulares das funções e salários, ajustando-os conforme necessário para evitar desvios e acúmulos indesejados.
  • Assessoria Jurídica: Contratar assessoria jurídica pode ser uma medida proativa para garantir que as práticas estejam em conformidade com as leis trabalhistas e oferecer orientação contínua sobre as melhores práticas para a gestão de pessoal.

 

Conclusão: promovendo ambientes de trabalho justos

Desvio e acúmulo de função são desafios sérios que demandam atenção e ação. 

Ao entender o que diz a lei e as consequências dessas práticas, tanto empregadores quanto colaboradores podem contribuir para a construção de ambientes de trabalho mais justos, equitativos e em conformidade com a legislação vigente. 

A conscientização sobre essas questões é o primeiro passo para uma relação laboral saudável e transparente.

 

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E se ainda tiver dúvidas sobre o assunto ou se decidir ir atrás de seus direitos ou prevenir que a sua empresa realize más condutas, entre em contato conosco, que a equipe da Tavares Vasconcellos Advocacia terá o maior prazer em te ajudar.

 

JOÃO PAULO TAVARES é advogado, sócio titular de TAVARES VASCONCELLOS ADVOCACIA e presidente da Comissão de Direito do Trabalho da OAB São Caetano do Sul/SP

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