Como a lei que equipara injúria racial ao racismo afeta as relações de trabalho

Em janeiro deste ano, entrou em vigor a lei que equipara a injúria racial ao racismo.

Com isso, o crime passa a ser inafiançável e imprescritível, com multa e pena de 2 a 5 anos de prisão, que poderá ser dobrada se o crime for cometido por duas ou mais pessoas. Antes, a punição era de 1 a 3 anos.

A mudança é um marco importante na luta antirracista e é pertinente não só no Direito Penal, como também do ponto de vista trabalhista.

Em estudo divulgado pelo jornal Folha de S.Paulo em 2022, as ações trabalhistas discutindo preconceito e injúria racial no ambiente de trabalho já ultrapassavam 22 mil desde 2014 e envolviam cerca de R$ 4 bilhões.

Na grande maioria dos processos, há alegação de racismo e/ou injúria racial por colegas ou gestores, com pedido de indenização por danos morais.

Porém, antes de entrarmos mais fundo nessa questão, vamos entender melhor sobre a lei aprovada e os crimes a que ela se refere.

Qual a diferença entre Injúria Racial e Racismo?

A Lei 7.716/89, sancionada em 11 de janeiro de 2023, equiparou a injúria racial ao crime de racismo, o que significa que ambos são considerados crimes graves, sujeitos a penas semelhantes.

A injúria racial é a ofensa a alguém, um indivíduo, em razão da raça, cor, etnia ou origem.

Já o racismo é quando uma discriminação atinge toda uma coletividade ao, por exemplo, impedir que uma pessoa negra assuma uma função, emprego ou entre em um estabelecimento por causa da cor da pele.

Na interpretação da lei, o juiz deve considerar como discriminatória qualquer atitude ou tratamento dado à pessoa ou a grupos minoritários que cause constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição indevida e que usualmente não se dispensaria a outros grupos em razão da cor, etnia, religião ou procedência.

Quanto à fase processual, seja em varas cíveis ou criminais, a vítima dos crimes de racismo deverá estar acompanhada de advogado ou de defensor público.

Fato é que, antes da promulgação da lei, a injúria racial era tratada como crime afiançável, prescritível e de ação penal pública condicionada. Por isso, infelizmente, muitos não davam a devida atenção e seriedade à conduta, sustentando, inclusive, se tratar de uma “brincadeira”, sem intenção de ofender.

Ao tipificar a injúria racial como crime de racismo, além do aumento de pena, deixa de existir prazo para que os autores sejam punidos e esses sequer podem se isentar com o pagamento de fiança.

Portanto, agora, se alguém ainda tinha alguma dúvida sobre a gravidade dos atos, não há mais qualquer espaço para discussão.

Direito do Trabalho e o combate ao racismo e à injúria racial

O racismo e a injúria racial são temas de extrema importância no Direito do Trabalho, pois afetam diretamente as relações entre empregados e empregadores.

No ambiente de trabalho, ambos os crimes podem levar a sérias consequências legais, uma vez que o empregador tem o dever de garantir um ambiente de trabalho livre de preconceito e discriminação, e deve adotar medidas preventivas para evitar a ocorrência de atos de racismo e injúria racial.

Caso ocorram situações como essa no ambiente de trabalho, o empregado tem o direito de denunciar o caso às autoridades competentes e buscar indenização por danos morais. A empresa também pode ser responsabilizada pelos atos de seus funcionários, se ficar comprovado que não adotou medidas suficientes para evitar essas práticas.

Uma mudança importante que a lei 14.532/23 trouxe foi trazer para sistema jurídico brasileiro o conceito de racismo recreativo, talhado pelo jurista e professor de Harvard Adilson Moreira. Foi inserido o artigo 20-A na Lei de Crime Racial que prevê um aumento de pena quando a injuria racial ou o racismo ocorrerem com o intuito de descontração, diversão ou recreação.

Esta mudança tem um impacto importante no direito do trabalho. Infelizmente não é incomum piadas racistas em grupos de whatsapp ou em reuniões de trabalho. A defesa dos ofensores é sempre o “animus jocandi”, ou seja estavam apenas brincando. A lei deixa clara que a piada de cunho racial é crime e não brincadeira, o que de um lado abre porta para demissões por justa causa de racistas piadistas e responsabilização de gestores coniventes. Por extensão e analogia piadas contra grupos “minorizados” também tendem a ser punidos, como piadas machistas, homofóbicas, etc.

Apesar dos avanços legislativos e de interpretações, o fato é que, mesmo a população negra representando mais da metade da população brasileira, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o racismo no ambiente de trabalho ainda é um problema extremamente grave e persistente no Brasil.

Um estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) mostrou que os trabalhadores negros no Brasil têm menos chances de conseguir empregos formais e bem remunerados do que os trabalhadores brancos. Além disso, eles enfrentam uma série de desvantagens no ambiente de trabalho, como menor acesso a treinamento e capacitação, menos oportunidades de promoção e maior incidência de assédio moral e discriminação.

Um relatório da ONG ActionAid Brasil também destacou a persistência do racismo no ambiente de trabalho. Segundo o relatório, mais de 80% das pessoas negras entrevistadas relataram ter sofrido discriminação racial no trabalho, incluindo ofensas verbais, piadas e tratamento diferenciado em relação a colegas brancos. Além disso, cerca de 60% dos entrevistados afirmaram ter sido impedidos de participar de reuniões importantes ou de tomar decisões relevantes em seu trabalho por causa de sua raça.

O racismo no ambiente de trabalho não afeta apenas os trabalhadores negros, mas também tem um impacto negativo na produtividade e na eficiência das empresas. Um estudo realizado pela consultoria McKinsey & Company descobriu que as empresas com maior diversidade racial e étnica em seus quadros têm uma probabilidade maior de superar seus concorrentes em termos de desempenho financeiro.

Por isso, é importante que as empresas adotem políticas e práticas que promovam a diversidade e a inclusão no ambiente de trabalho, como a implementação de programas de treinamento e sensibilização sobre o racismo e outras formas de discriminação.

Além disso, é fundamental que as empresas criem canais seguros para que os funcionários possam denunciar casos de discriminação e que sejam tomadas medidas concretas para punir os infratores.

O combate ao racismo no ambiente de trabalho é uma responsabilidade de todos, incluindo as empresas, os governos e a sociedade como um todo. Ações concretas precisam ser tomadas para garantir que todas as pessoas, independentemente de sua raça, tenham as mesmas oportunidades de sucesso e realização no mercado de trabalho.

Conclusão

A equiparação da injúria racial ao crime de racismo deve ter um impacto significativo na luta contra a discriminação racial no Brasil.

A sanção da Lei 7.716/89 demonstra que o Estado está disposto a tomar medidas sérias contra o racismo e que as vítimas de injúria racial podem esperar uma proteção mais efetiva da justiça. A nova lei também traz para o ordenamento jurídico o conceito de racismo recreativo o que facilita a responsabilização de gestores e empregados que utilizem o humor para propagar o racismo.

Cabe às empresas atualizarem-se e buscarem um novo padrão de tolerância zero com manifestações racistas, sexistas e preconceituosos em seus ambientes físicos e virtuais.

No entanto, a medida não vai resolver o problema e a violência e o preconceito racial seguirão, infelizmente, sendo uma realidade para muitas pessoas negras e de outras etnias minoritárias no país.

Por isso, é fundamental que a sociedade brasileira continue lutando contra o racismo e a injúria racial e que as autoridades tomem medidas efetivas para combater este mal.

 

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Se você quer saber ainda mais, confira agora o episódio de estreia do nosso podcast Capital e Trabalho, que traz o relevante tema Racismo no Ambiente de Trabalho.

E se ainda tiver dúvidas sobre o assunto ou se decidir ir atrás de seus direitos, entre em contato conosco, que a equipe da Tavares Vasconcellos Advocacia terá o maior prazer em te ajudar.

 

JOÃO PAULO TAVARES é advogado, sócio titular de TAVARES VASCONCELLOS ADVOCACIA e presidente da Comissão de Direito do Trabalho da OAB São Caetano do Sul/SP

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